Page 45 - Revista ATO Ano 4 N 4
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Ana Maria Fabrino Favato

trato, tanto Shylock, o judeu, como Antonio, o mercador. A economia pulsional, o gozo e sua lógica

Antonio é um mercador cristão que se diz triste e, embora
possa viver a perda eminente de sua rica mercadoria nas
agruras do mar, garante que sua tristeza não vem daí e não
sabe de onde. Vive, portanto, uma melancolia não entendi-
da nem por ele e nem pelos amigos, que bem sugere o que
Freud fala dessa afecção: o sujeito melancólico não sabe o
que foi perdido, experimenta uma extraordinária baixa au-
toestima e um empobrecimento de seu eu. Um dos amigos
de Antônio lhe diz: “Não vale a pena comprar perdas pelo
preço de cuidados” (SHAKESPEARE, 1956, p. 18).

Shyloch é um judeu, credor cruel, que mostra seu ódio
pelo mercador cristão. Acredita que Antonio zomba dele,
de seus negócios, de seus ganhos legítimos a que chama
usura. Há entre os dois uma contenda, bem representativa
da querela entre judeus e cristãos à época.

Antonio contrai um empréstimo com Shylock para atender
a um amigo. A conversa entre os dois rende acusações e
injúrias de ambos os lados, mas a questão maior fica em
torno dos juros, ou seja, do quanto se deve pagar pela dívi-
da incluída aí, esse a-mais de ganho e de perda. O contrato
é assinado no cartório, mas a economia é pulsional e tem
o inconsciente como administrador do gozo que circula aí.
Lacan vai dizer:

Podemos fazer todos os empréstimos que quisermos para
tampar os furos do desejo, assim como os da melancolia,
mas lá está o judeu que, por sua vez, entende um bocado

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 39-49, 2018 45
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