Page 44 - Revista ATO Ano 4 N 4
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A economia pulsional, o gozo e sua lógicaO que se perde no nível da pulsão

altera o instinto e é surreal. A pulsão introduz a perda, e a
linguagem coloca o desejo; diferentemente do instinto que,
em seu programa, tudo está estabelecido e não há nenhu-
ma perda e nada a desejar. Como um tecido ensanguenta-
do, nosso corpo biológico recebe o golpe da linguagem, e a
libra de carne é o que se paga pela vida para fazer desse or-
ganismo um corpo de significantes. A libra de carne é o ob-
jeto a, o que cai da marca do significante, algo de separado,
algo de sacrificado, algo de inerte que se perde na dívida
com a linguagem. É sempre com nossa carne, que temos
que saldar a dívida. Lacan (1962-1963) lembra o pacto com
Deus na religião judaica e o que se perde na circuncisão,
sendo esse o motivo do sentimento antissemita. Nesse pac-
to subsiste a função do objeto a como resto.

Lacan (1962-1963) diz que o acting out, a-tu-ação, é a for-
ma essencial em que alguma coisa da queda do objeto a se
mostra na conduta do sujeito. Na ab-reação também algo
do objeto a se apresenta na repetição do afeto em que o
sujeito “cai em prantos” ou revida um xingamento. Ao falar
do acting out, Lacan cita o caso da jovem homossexual e o
caso Dora, ambos de Freud; cita também o paciente dos
miolos frescos, de Ernst Kris, e o mercador de Veneza, de
Shakespeare.

Vou ater-me ao mercador de Veneza, pois entre o judeu e
o mercador um contrato de empréstimo faz surgir exata-
mente o resto que cai entre o sujeito e o Outro, o a, a “libra
de carne”. Como Acting-out ou ab-reação, ambos se preci-
pitam nessa libra de carne, demandada e oferecida no con-

44 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 39-49, 2018
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