Page 47 - Revista ATO Ano 4 N 4
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Ana Maria Fabrino Favato

ção de realidade ou à sua função de real e não à sua função A economia pulsional, o gozo e sua lógica
erótica.
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Antonio, para Shylock, é um rato, um porco e engendra
ódio. A isso, Lacan (1964) tratou em “O Seminário 11: os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, como zona
de queda ou dessexualização, em que o objeto se apresenta
como um pedaço de carne tal como acontece nas mani-
festações da inveja e, do nojo na histeria; revelações bem
diferentes do que acontece na pulsão escópica e na pulsão
oral. Em Shylock, a função da vingança e sua atuação provo-
cam o deslizamento do objeto a para essa zona de queda do
sexual, pois, por mais cruel que seja considerado o judeu,
aqui não se trata de sadismo, de gozo sexual, mas sim, de
gozo Outro.

O judeu desdenha o mercador, e a parte a ser extraída, es-
timada como uma libra de carne podre, não tem nenhum
valor, a não ser como cifra útil à contabilidade do gozo.
Nessa conta, Shylock quer permanecer no gozo impossí-
vel sem nenhuma perda. Mas como retirar uma libra sem
que se escorra uma gota sequer de sangue, ou sem que um
a-mais ou um a-menos altere essa cifra? Impossível não
haver perda! Esse é o risco de perigo mortal para o sujeito
e o Outro quando o objeto a é cedido, ou seja, a morte do
corpo e a interdição do gozo, esse último, proibido tanto ao
sujeito quanto ao Outro quando da entrada no maquinismo
da linguagem. Todo o desenrolar do quarto ato acontece no
tribunal, onde a lei é demandada como interdito ao gozo. O
mercador de Veneza indica a impossibilidade desse gozo,
pois sempre haverá uma perda no nível da pulsão.

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 39-49, 2018
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