Page 17 - Revista ATO Ano 4 N 4
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Cláudia Aparecida de Oliveira Leite

dicar aqui – terá para vocês um sentido pleno. Shackleton e A economia pulsional, o gozo e sua lógica
seus companheiros na Antártica, a várias centenas de quilô-
metros da costa, exploradores entregues à maior frustração,
[...] nos trazem em notas bem singulares de se ler, que eles
contavam sempre um a mais do que eram, que eles não se
reencontravam nessa conta: ‘Nós nos perguntávamos sem-
pre para onde tinha ido o ausente’, o ausente que não faltava
senão pelo fato de que todo esforço de conta lhes sugeria
sempre que havia um a mais, logo, um a menos’ (LACAN,
1961-1962, p. 225, grifos nossos).

O que chama a atenção de Lacan é o vacilo na contagem.
Como o sujeito conta? Há sempre um-a-mais e, portanto,
há sempre um-a-menos. Esse ponto interessa a Lacan para
apresentar o traço unário, tratando do aparecimento no es-
tado nu do sujeito, que, segundo Lacan, não é nada mais
além da possibilidade de um significante a mais, de um-a
-mais que impõe a constatação de que existe um que falta.

Dessa maneira, Lacan (1961-1962) interpõe a relação do
traço unário com o corpo e com os números, recomendando
a leitura do livro de Gottlob Frege, intitulado “Fundamen-
tos de Aritmética”, de 1884. Lacan retoma o argumento de
Frege sobre a evidência, no qual não há nenhuma dedução
empírica possível da função do número. O encantamento
de Lacan pela elaboração fregeana tem um lugar privilegia-
do, que invade todo seu ensino. Na construção de “O Se-
minário 9: a identificação”, ele diz que, mesmo sem saber
do que está falando, Frege fala da função do traço unário
em sua teoria sobre os números. Tal afirmação de Lacan
nos impõe perguntar “quem é Gottlob Frege?” e “qual a
inscrição possível que sua teoria traz para a psicanálise?”.

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 13-27, 2018 17
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