Page 15 - Revista ATO Ano 4 N 4
P. 15
Cláudia Aparecida de Oliveira Leite

Lacan destaca a potência dessa identificação ao traço – ein- A economia pulsional, o gozo e sua lógica
zigen Zug –, traduzindo o termo einzigen (unicidade) por
“unário”. Dessa maneira, o traço unário remete a uma mar-
ca que designa a diferença absoluta, mantendo um caráter
distintivo. Lacan ressalta que “o traço unário é anterior ao
sujeito. No princípio era o verbo, quer dizer, no princípio é
o traço unário. Tudo que é passível de ser ensinado deve
conservar a marca desse initium ultra-simples” (LACAN,
1962-1963, p. 31).

O traço unário é o suporte da diferença absoluta, trazendo
como consequência lógica o inaugural do sujeito, a impo-
sição de um initium e a possibilidade de sermos contados
como únicos. Por prefigurar um traço sem qualidades, La-
can (1962-1963) toma esse suporte da diferença para elevar
a noção de traço unário a uma pertinência estrutural, vin-
culando-o aos desdobramentos da relação do sujeito com o
significante e, portanto, com o Outro. O traço unário marca
um apagamento, marca o Um que conta e, por isso mesmo,
demarca um erro de conta e inscreve a emergência da re-
petição.

Esse traço, que nos faz contados pelo Outro, ganha de La-
can (1962) uma ilustração na lição de 28 de março do mes-
mo ano. Nesse momento, Lacan relata a “Experiência de
Shackleton na Antártida”. Trata-se da “Expedição Imperial
Transantártica”, liderada e organizada pelo irlandês Ernest
Shackleton. Essa expedição, feita a bordo do navio Endu-
rance, que teve início em 5 de dezembro de 1914, figura
na história como um dos maiores feitos heroicos de todos

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 13-27, 2018 15
   10   11   12   13   14   15   16   17   18   19   20