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Barbara Guatimosim Angústia

em fuga. “O inacabado não se reduz então ao fragmentado,
mas pede o ilimitado.” (DELEUZE / GUATTARI. Kafka:
por uma literatura menor, p. 107). Como diz Blanchot,
dessa maneira Kafka, “o homem do exílio é obrigado a
fazer do erro um meio de verdade, e daquilo que o engana
indefinidamente a possibilidade última de apreender o
infinito.” (Kafka e a exigência da obra. In: BLANCHOT. O
espaço literário, p. 76).

Lembramos que, na clínica, conduzir o sujeito
ao real de sua verdade, não vai sem o entregar-se à errância
da associação livre, tarefa da prática analisante. Uma
psicanálise se inicia com a aceitação de um convite ao erro.

Mas há nuances na errância e no inacabado de
Kafka. O que muitas vezes o acompanha no interminável
é o medo, e este, aliado à loucura, à culpa, aos fantasmas,
ameaça a obra; pode fazer o escritor desistir da pena:

Medo (Angst) de acabar uma crítica para o Diário de
Praga (PragerTagblatt). Este medo (Angst) de escrever se
materializa sempre que, sem eu estar sentado à secretária,
formulo frases para o que vou escrever, as quais se verifica
imediatamente serem erradas, secas, quebradas antes do fim,
e apontam com os seus fragmentos salientes [arestas] para
um triste futuro. (KAFKA. Diários, 16/12/1911, Difel, p. 123.)

A fixação “como se” em um modelo de homem
não só não lhe servia, mas era tudo que Kafka criticava.
Então lhe resta esperar, errar, ansiar, retomar e repetir, em
sua esperrânsia infinita: “Durante a viagem tomei notas

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Inibição, sintoma, angústia, Ano II n. 1, pp. 59-68, 2016 65
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