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AngústiaAs errâncias de Franz Kafka

em outro caderno. Comecei alguns trabalhos fracassados.
Mas não me dou por vencido, apesar da insônia, as dores
de cabeça, e minha incapacidade geral. São minhas últimas
forças vitais decididas a um esforço conjunto.” (KAFKA.
Diarios, 29/07/1914, Emecé, p. 285).

Os não poucos impasses sempre ameaçavam
interromper e mesmo acabar com a escrita de Kafka,
mas ele soube mantê-la em um lugar de impasse sempre
reaberto em recomeço: resistência e insistência que
acabam conduzindo Kafka, não tolo que erra, sempre e de
novo ao ato de escrita que é, por fim, ato de separação.

Se fôssemos por um caminho correto, renunciar seria o
desespero sem limites, mas já que vamos por um caminho
que só nos conduz a outro e este a um terceiro e assim
sucessivamente; já que a verdadeira via não surgirá antes
de muito tempo, e talvez nunca, já que consequentemente
estamos entregues totalmente à incerteza, mas também a
uma diversidade inconcebivelmente bela, a realização dessas
esperanças segue sendo o milagre sempre inesperado, mas
em compensação sempre possível. (Kafka apud BLANCHOT.
La última palabra. In: BLANCHOT. De Kafka a Kafka, p.
267).

No último ano de sua vida, no esforço hercúleo
de um ato arrancado de todas as angústias, abriu-se lhe a
terceira via e o desejo encontra seu pouso. Mas esta é uma
outra história...

66 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Inibição, sintoma, angústia, Ano II n. 1, pp. 59-68, 2016
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