Page 64 - Revista Ato_Ano_2_n_1
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AngústiaAs errâncias de Franz Kafka
posto de resistência, um adiamento processual da sentença
até o infinito, em uma espécie de chão do qual não se
passa, por mais que não se avance. Lugar onde há sempre a
possibilidade de interromper a tortura de uma vida inviável
e recomeçar; começar tudo de novo. Em Kafka, o negativo
sempre pode ser positivo e vice-versa: polianismo radical.
A escrita interrompida, o impasse na vida,
restar inacabado, continuar no infinito
Kafka ficava muitas vezes paralisado ou à deriva
em seus escritos. Tem uma boa ideia inicial, mas não
sabe bem como continuar e, mais difícil ainda, concluir.
Apesar de esse traço ser muitas vezes criticado pelos
comentaristas de sua obra, revelado no inacabamento,
no pathos dos obstáculos intermináveis, na infinitização
do movimento, isso é, ao mesmo tempo, a grande marca
que se imprime em seus textos e em sua vida, não sendo,
necessariamente, traço negativo. Sabemos que toda
grande arte é inacabada e é por isso que ela não se esgota
e continua transmitindo indestrutivelmente o impacto do
desejo que a criou. “Em nenhuma obra de Kafka a aura da
ideia infinita desaparece no crepúsculo, em nenhuma obra
se esclarece o horizonte.” (ADORNO. Anotações sobre
Kafka. In: ADORNO. Prismas, p. 240). Como escrevia
Beckett, “Não é possível continuar, é preciso continuar...”
Kafka descobre no fracasso a continuidade, a metonímia
64 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Inibição, sintoma, angústia, Ano II n. 1, pp. 59-68, 2016
posto de resistência, um adiamento processual da sentença
até o infinito, em uma espécie de chão do qual não se
passa, por mais que não se avance. Lugar onde há sempre a
possibilidade de interromper a tortura de uma vida inviável
e recomeçar; começar tudo de novo. Em Kafka, o negativo
sempre pode ser positivo e vice-versa: polianismo radical.
A escrita interrompida, o impasse na vida,
restar inacabado, continuar no infinito
Kafka ficava muitas vezes paralisado ou à deriva
em seus escritos. Tem uma boa ideia inicial, mas não
sabe bem como continuar e, mais difícil ainda, concluir.
Apesar de esse traço ser muitas vezes criticado pelos
comentaristas de sua obra, revelado no inacabamento,
no pathos dos obstáculos intermináveis, na infinitização
do movimento, isso é, ao mesmo tempo, a grande marca
que se imprime em seus textos e em sua vida, não sendo,
necessariamente, traço negativo. Sabemos que toda
grande arte é inacabada e é por isso que ela não se esgota
e continua transmitindo indestrutivelmente o impacto do
desejo que a criou. “Em nenhuma obra de Kafka a aura da
ideia infinita desaparece no crepúsculo, em nenhuma obra
se esclarece o horizonte.” (ADORNO. Anotações sobre
Kafka. In: ADORNO. Prismas, p. 240). Como escrevia
Beckett, “Não é possível continuar, é preciso continuar...”
Kafka descobre no fracasso a continuidade, a metonímia
64 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Inibição, sintoma, angústia, Ano II n. 1, pp. 59-68, 2016