Page 172 - revista_ato (1)
P. 172
efeitos da transmissãoLer, escrever e... Se reinventar
desgaste do solo pela água, de uma literatura que não seria do
significante, mas da letra. [...] Cito Lacan: “o que se evoca
de gozo ao se romper um semblante, é isso o que no real,
se apresenta como ravinamento das águas”. É no romper do
semblante que algo do gozo se evoca como um desgaste, uma
erosão que marca um território. É na queda dos semblantes
que a realidade de devastação se dá a ver, revelando um gozo
opaco, refratário à ordem simbólica. Devastar é tornar deserto,
despovoar (PESTANA GOULART, 2013, p.147-148).
Ao retornar à sua terra natal, a personagem se
vê às voltas com um mundo de mulheres, além da própria
mãe, a irmã, uma referência a uma tia louca, e se põe a
bordar, conversar e cantar, cercando uma estrutura de
pontos e furos. Podemos fazer uma analogia com o trabalho
de luto. Lacan tratará de uma escrita, que vai além do
trabalho de luto, em termos borromeanos, uma escrita do
nó, que amarra a estrutura. A escrita pode ser tomada como
realização de desejo, na medida em que se pode recolher
as letras que direcionam o desejo de cada um. A escrita
tem a ver com o desenho que a pulsão faz sulcando o real.
Parto da proposição de que a vida e a psicanálise
caminham na mesma direção: o real.
O real inicialmente definido por Lacan como
o impossível de ser simbolizado, correlativo à experiência
do trauma, será, em seu último ensino, tomado como um
campo de gozo, um campo sem lei, mas que tem uma lógica
própria que inclui o corpo como suporte do gozo.
172 Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 167-177, 2015
desgaste do solo pela água, de uma literatura que não seria do
significante, mas da letra. [...] Cito Lacan: “o que se evoca
de gozo ao se romper um semblante, é isso o que no real,
se apresenta como ravinamento das águas”. É no romper do
semblante que algo do gozo se evoca como um desgaste, uma
erosão que marca um território. É na queda dos semblantes
que a realidade de devastação se dá a ver, revelando um gozo
opaco, refratário à ordem simbólica. Devastar é tornar deserto,
despovoar (PESTANA GOULART, 2013, p.147-148).
Ao retornar à sua terra natal, a personagem se
vê às voltas com um mundo de mulheres, além da própria
mãe, a irmã, uma referência a uma tia louca, e se põe a
bordar, conversar e cantar, cercando uma estrutura de
pontos e furos. Podemos fazer uma analogia com o trabalho
de luto. Lacan tratará de uma escrita, que vai além do
trabalho de luto, em termos borromeanos, uma escrita do
nó, que amarra a estrutura. A escrita pode ser tomada como
realização de desejo, na medida em que se pode recolher
as letras que direcionam o desejo de cada um. A escrita
tem a ver com o desenho que a pulsão faz sulcando o real.
Parto da proposição de que a vida e a psicanálise
caminham na mesma direção: o real.
O real inicialmente definido por Lacan como
o impossível de ser simbolizado, correlativo à experiência
do trauma, será, em seu último ensino, tomado como um
campo de gozo, um campo sem lei, mas que tem uma lógica
própria que inclui o corpo como suporte do gozo.
172 Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 167-177, 2015