Page 92 - Revista ATO Ano 4 N 4
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A economia pulsional, o gozo e sua lógicaSexuação, gozo e pulsão

O que fazer com o corpo? Que destino ou roupagem dar a
um corpo? Indagações como essas, bem contemporâneas,
notemos, não têm nenhuma relação com a capacidade ins-
trumental de manusear a anatomia ou conduzir a educa-
ção – a paideia. É precisamente a partir daquele não-saber,
indicado por Lacan, que a pulsão, enquanto conceito fun-
damental da psicanálise, se estabelece. Retomar essa sina-
lização é bastante válido, sobretudo em uma época como a
nossa, na qual a intervenção, o manuseio e a transformação
do corpo e dos atos educativos: pais, escola, brinquedos –
tudo isso –, que, por exemplo, estaria ao alcance de uma
instrumentalidade técnico-científica, ao alcance, pois, das
mãos, das decisões, das roupas, dos estojos de maquiagem,
das pinças, das cânulas, dos bisturis, dos aspiradores e das
linhas de sutura – parece ser tão possível e, sobretudo, re-
solutivo. Lacan argumentará que a possibilidade de manu-
seio do órgão não abriria automática e certeiramente um
caminho de intervenção na sexualidade (o gozo). De forma
chistosa, e recorrendo a uma imagem pouco comum nesta
discussão, a lagosta e suas pinças, ele afirmará que:

[...] a pequena diferença já é destacada desde muito cedo
como órgão, o que já é dizer tudo – organon, instrumento.
Será que um animal tem ideia de que possui órgãos? Desde
quando já se viu isso? E para quê? Por acaso bastaria anun-
ciar que todo animal – falei disso noutro lugar, aqui vou
dizê-lo de outra maneira, é uma maneira de retomar o que
enunciei recentemente a propósito do chamado gozo sexual
como instrumento do animal –, todo animal que tem pin-
ças não se se masturba? Essa é a diferença entre o homem
[homme] e a lagosta [homard] (LACAN, 2012, p. 13).

92 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 87-95, 2018
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