Page 89 - Revista ATO Ano 4 N 4
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Alexandre Simões

não venha a lidar com a psicanálise aquele que não tiver A economia pulsional, o gozo e sua lógica
condições de assim proceder! –, é crucial que a psicanálise
aí se posicione. Já não é mais concebível uma psicanálise
que não esteja e não seja da polis, sobretudo, porque ali,
nas contradições da polis, temos o locus do mal-entendido,
do dito a mais, do dito a menos, sobretudo, do mal-dito.
Compreendo que a crítica lançada à psicanálise lacaniana,
acima ressaltada, apoia-se em uma compreensão excessi-
vamente apressada da argumentação de Lacan, principal-
mente a partir dos anos 1970. Tal como argumentarei, o
que é alegado como dual ou heteronormativo diz respeito
ao estabelecimento da diferença no campo da sexualidade
– que é fundamental para se localizar qualquer efeito sub-
jetivo – sempre em função de um aspecto que a organiza:
a dimensão fálica. A experiência clínica nos leva a perceber
que a suposta liberdade e diversidade dos gêneros não se
apresenta sem que esteja submetida àquilo que se tem e
àquilo que não se tem, seja no campo da sexualidade, do
desejo ou do amor. E aquilo que se tem ou não se tem,
bem como aquilo que faz aparência de se ter ou não, sem-
pre passa pelo falo. É nesse sentido que Freud (1923) irá
ressaltar que o falo não é o órgão, no caso, o pênis, mas a
organização, isto é, o ponto de referência desde o qual se
dá consistência e miragem ao que se tem ou não se tem,
independentemente do sujeito se apresentar, para o outro
e face ao laço-social, como homem, mulher, afeminado,
masculinizada, travesti, crossdresser, homem-garota, mu-
lher-rapazinho, Barbie, biba, Susie, etc.

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 87-95, 2018 89
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