Page 88 - Revista ATO Ano 4 N 4
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A economia pulsional, o gozo e sua lógicaSexuação, gozo e pulsão

os teóricos queer tendem a considerar que essa mesma
psicanálise finda por reiterar uma perspectiva ainda dua-
lista quanto aos gêneros. Alegam que, ao não enxergarem
a plasticidade do gênero, sobretudo no trilhamento trans
– travestis, transexuais, crossdressers etc –, os psicanalistas
padeceriam de um ponto cego, uma vez que, anacronica-
mente, ainda se refeririam ao homem e à mulher. A plas-
ticidade de gênero, observemos, vem ganhando evidência
nos últimos anos, incrementada nos últimos meses e, so-
bretudo, nas últimas semanas: evidência midiática, públi-
ca, artística, coletiva, nas redes sociais. Algo, portanto, aí, se
impõe ao olhar, o que elevaria a suposta cegueira dos psi-
canalistas à ordem do embaraço. Os desdobramentos des-
se embaraço dualista estariam exemplarmente vigentes no
ensino do psicanalista Jacques Lacan que, na compreensão
de Judith Butler – uma voz de expressiva densidade no uni-
verso queer –, continuaria atrelado a uma perspectiva acer-
ca da sexualidade “ideologicamente suspeita” (BUTLER,
2014, p. 90). Enfim, o argumento fundamental da crítica
lançada à psicanálise é que ela não conseguiu caminhar pa-
ri-passu com as transformações de nosso tempo: as multi-
faces e a liberdade dos gêneros teriam deixado a psicanáli-
se a reboque.

Quando entendemos seriamente a “provocação-convite”
de Lacan (1998), em que ele nos propõe que o psicanalista
deve estar atento à linha do horizonte de seu tempo, para
ali localizar a subjetividade de sua época – e, ademais, que

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