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Transferência na clínica em cidade pequenaReal da experiência

sim para interpretá-la. E isso é válido também no suposto
conhecer. A psicanálise é um discurso de escuta ética, que
jamais deve ser abandonado em seu compromisso com o
tratamento das manifestações do inconsciente.

Atender supostos conheceres, que há tempos não se veem,
que não se falam, que no máximo se cumprimentam na rua,
mas que em algum tempo se conheciam, não retira do ana-
lista o compromisso com o inconsciente pelo engodo de que
naquela relação tudo já se conhece. Muito pelo contrário. É
pelo compromisso, e por saber que o inconsciente não é in-
consequente, que as autorizações devem ser feitas com des-
medida cautela e particularidades na escuta.

A elevação do tato é proposta fundamental. Tato – Ein-
fühlung – é sentir com, aponta Ferenczi (1928), sentir com
a escuta flutuante, deslizante, trilhos de significantes. Sem
o tato, o analista faz análise selvagem.

O amparo na transferência é o que esconde o véu do su-
posto conhecer tal como a formação da demanda esconde
o alucinado desejo. Esse amparo é trabalhado na clínica e,
vez ou outra, vaza nos dizeres do paciente; e, com ele, o
paciente acaba suportando dizer do insuportável.

Aqui percebi o motivo de tantos casos de tentativa de
autoextermínio, que não se tornaram públicos, de pessoas
que me conheciam e que vieram até mim. O familiarmente
estranho é suporte para transferência. E ali nada é mais
do inconsciente do que essa atualização do atemporal
deslocado.

122 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Topologia e desejo do analista, ano 3, n. 3, p. 117-126, 2017
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