Page 155 - revista_ato (1)
P. 155
Bárbara M. B. Guatimosim efeitos da transmissão

sofrida e sua conduta grave comoveram a menina e a mãe
que havia nela”. Dora “não apenas se apaixonou por Kafka,
como também passou a idolatrá-lo como seu professor e
mestre” (BEN-TOVIM apud PAWEL, 1986, p. 418). Por
sua vez Dora, apesar de sua pouca idade, era uma mulher
muito especial. Descrita como solitária, “Estrangeira em
uma terra estranha” era “intransigentemente apaixonada
em tudo que fazia, com uma energia equiparável à
tempestuosa intensidade de suas emoções” (BEN-TOVIM
apud PAWEL, ibid). Seja o que for que concorreu para
a parceria que Dora e Franz sustentaram, o fato de que
era Ele e era Ela fez a real diferença. Pawel decide, em
última análise, que “deve ter sido a franqueza límpida de
Dora” que “derrotou a conspiração das ambiguidades e
permitiu que ele — com o ardoroso apoio da irmã Ottla —
arriscasse um passo de coragem literalmente desafiadora
da morte” (BEN-TOVIM apud PAWEL, idem, p. 418-419).
Ou segundo as palavras de Kafka: “um feito de temerária
ousadia, considerando-se meu estado, cujo equivalente
só se pode encontrar, revirando as páginas da história,
digamos, até a invasão da Rússia por Napoleão” (KAFKA
apud PAWEL, 1986, p. 419).

Um passo que se faz ato, antecipado de muita
angústia da qual arrancou, com todas as forças, uma
certeza. Descreve em carta a Ottla como foi a noite que
antecedeu sua partida para a Alemanha:

Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 151-165, 2015 155
   150   151   152   153   154   155   156   157   158   159   160