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efeitos da transmissãoO brilho inesperado de um desejo ou Kafka, um desejo indestrutível

permanece. Kafka, quando mais jovem, imaginava morrer
com satisfação e, depois do fracasso do terceiro noivado,
já esperava impacientemente pela morte. “Por que
tantas paradas na estrada para a morte? Por que leva
tanto tempo?” (KAFKA apud PAWEl, 1986, p. 370). Com
uma tuberculose que avançava do pulmão até a laringe,
tardiamente descobre, com Dora, uma razão para buscar
a saúde e lutar ardentemente pela vida. Comenta Leandro
Konder que, “Surpreendentemente, não foi a literatura que
lhe proporcionou a alegria vivida no último ano e sim o
amor. Até sua morte, Franz teve dúvidas quanto a validade
do que havia escrito” (KONDER, 1966, p. 19).

Porém, mesmo com a saúde precária e a despeito
das dificuldades de toda ordem em manter a nova vida com
Dora, Kafka, no fim de seu último ano de vida, sem poder
beber ou se alimentar, corrige ainda e incansavelmente as
provas d‘O artista da fome, pouco antes de sustar a pena
definitivamente. Kafka, com todo fracasso que carregava,
nunca desistiu de amar e de escrever. Mesmo com todo
sentimento de nulidade que nutria por si, sempre esperou
e lutou pelo amor de uma mulher e pela literatura.

162 Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 151-165, 2015
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