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Bárbara M. B. Guatimosim efeitos da transmissão
te conquistada e não cair novamente na dependência fami-
liar, passa a escrever com mais frequência e entusiasmo,
chegando mesmo a vender alguns contos para publicação.
Pensava também em liquidar com isso “dívidas familia-
res” (BROD, s/d, p. 184). Entre esses contos estão “Uma
pequena mulher”, “Josefina, a cantora” e “O covil” [A toca,
A construção]:
“A construção” foi escrita em uma única noite, durante
o inverno; ele começou no início da noite e terminou ao
amanhecer, antes de retrabalhá-la por completo. Ele me
contou a história, alternando o tom de gracejo com um tom
mais sério. (...). O sentimento de medo e pânico presente
nela talvez tenha sido provocado por um pressentimento
de retorno aos seus familiares bem como do fim de sua
liberdade. Ele me explicou que, em sua “construção”, eu
seria o “coração da cidadela” (DIAMANT, 2011b, s/p).
Nessa época, Kafka frequenta como aluno,
gratuitamente, a Academia Berlinense da Ciência do
Judaísmo onde encontra “um oásis de paz na violenta Berlim
e nas regiões turbulentas do eu interior” (KAFKA apud
PAWEL, 1986, p. 425) e pensa em ingressar numa escola
de jardinagem brincando com a ideia de fazer o deserto
florescer. Já que o deserto que o ocupa não apresenta saída
possível, o desejo insiste na utopia de habitá-lo. Quem sabe
transformar o deserto em terra prometida: uma última
metamorfose...
Apesar do clima da vida tranquila, sem insônia
e quase feliz, a doença se agrava e a ameaça dos fantasmas
Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 151-165, 2015 161
te conquistada e não cair novamente na dependência fami-
liar, passa a escrever com mais frequência e entusiasmo,
chegando mesmo a vender alguns contos para publicação.
Pensava também em liquidar com isso “dívidas familia-
res” (BROD, s/d, p. 184). Entre esses contos estão “Uma
pequena mulher”, “Josefina, a cantora” e “O covil” [A toca,
A construção]:
“A construção” foi escrita em uma única noite, durante
o inverno; ele começou no início da noite e terminou ao
amanhecer, antes de retrabalhá-la por completo. Ele me
contou a história, alternando o tom de gracejo com um tom
mais sério. (...). O sentimento de medo e pânico presente
nela talvez tenha sido provocado por um pressentimento
de retorno aos seus familiares bem como do fim de sua
liberdade. Ele me explicou que, em sua “construção”, eu
seria o “coração da cidadela” (DIAMANT, 2011b, s/p).
Nessa época, Kafka frequenta como aluno,
gratuitamente, a Academia Berlinense da Ciência do
Judaísmo onde encontra “um oásis de paz na violenta Berlim
e nas regiões turbulentas do eu interior” (KAFKA apud
PAWEL, 1986, p. 425) e pensa em ingressar numa escola
de jardinagem brincando com a ideia de fazer o deserto
florescer. Já que o deserto que o ocupa não apresenta saída
possível, o desejo insiste na utopia de habitá-lo. Quem sabe
transformar o deserto em terra prometida: uma última
metamorfose...
Apesar do clima da vida tranquila, sem insônia
e quase feliz, a doença se agrava e a ameaça dos fantasmas
Revista da Ato – Escola de psicanálise, Belo Horizonte, Angústia, Ano I n. 0, pp. 151-165, 2015 161