Page 116 - Revista ATO Ano 4 N 4
P. 116
A economia pulsional, o gozo e sua lógicaUm haicai para a psicanálise

Não é sem razão que Jacques Derrida (2009) considera que
Freud, com a psicanálise, constrói verdadeiramente uma
escritura. No entanto, em contraposição à escritura funda-
da por Freud, que postula a hiância – de onde vem o traço –
como o originário do aparelho psíquico, encontramos, por
outro lado, o conceito de desejo edipiano ou desejo autoen-
gendrado, como uma eficaz manobra estrutural-neurótica
que age no sentido de burlar a hiância, que nos funda como
sujeitos psíquicos.

Em “Esboço de psicanálise”, Freud (1938), um ano an-
tes de sua morte, não nos deixou de propor, enfaticamen-
te, que a criança é o pai do adulto. Podemos inferir dessa
asserção duas proposições: a primeira – indutiva – que a
criança, pai do adulto, é a criança regulada pela economia
do incesto, ou seja, a criança que busca fazer coincidir ter
e ser a um só tempo, ser o desejante e o desejado de seu
desejo; a segunda proposição – dedutiva –, passível de ser
inferida da proposição freudiana, é que o desejo edipiano é
o pai do adulto.

Daí encontrarmos frequentemente, na clínica psicanalíti-
ca, sob as mais diversas roupagens, ou como uma repeti-
ção enfadonha, o sujeito – adulto ou criança ou adolescente
ou idoso – orientado pelo desejo incestuoso que é o pai de
todos os neuróticos. Tal desejo caracteriza-se, invariavel-
mente, pela adesividade libidinal, e pode manifestar-se sob
a forma de uma busca obstinada de se garantir pela via de
um saber sobre o desejo, como pela adoção de uma postura

116 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, ano 4, n. 4, p. 111-118, 2018
   111   112   113   114   115   116   117   118   119   120   121